A História dos Grandes Prêmios – Argentina 1954

O campeonato mundial de Fórmula 1 de 1954 teve seu ínicio na Argentina e apesar de um grande desafio vindo da Ferrari, Juan Manuel Fangio acabou vencendo pela primeira vez o seu GP local

A largada para o GP da Argentina

As duas temporadas sob o regulamento da Fórmula 2 haviam ficado para trás e, exceto a Ferrari, mais ninguém sentia falta daqueles dias. As críticas sobre o desempenho dos carros e também a falta de dificuldade para os pilotos, iam e vinham constantemente e a chegada do novo regulamento que albergaria motores de 2500cc aspirados ou 750cc sobrealimentados foi recebido com grande alívio. Porém há de ressaltar que o regulamento de Fórmula 2 foi importante para a sobrevivência do recentemente Campeonato Mundial, que se viu apenas com a Ferrari como equipe de renome já que a Alfa Romeo havia se retirado logo após o título de 1951 e a BRM enfrentou problemas com o seu V16 – e de má gestão – que acabaram culminando na sua retirada do mundial de 1952. Dessa forma, a saída da CSI (Commission Sportive Internationale) foi introduzir o regulamento da F2 afim de atrair os participantes daquele campeonato que era formado basicamente por equipes inglesas (mais precisamente HWM, Connaught e Cooper), que juntaram-se a Ferrari e mais tarde a Gordini e Maserati para compor o campeonato de 1952. Apesar de quase nunca se perceber as mudanças, esses passos foram importantes para as equipes britânicas se instalarem na categoria e estarem prontas para serem as protagonistas na Fórmula 1 a partir de 1958.

Como sempre, em qualquer mudança de regulamento, existe certa expectativa em torno de como será o comportamento dos últimos campeões. A Ferrari havia dominado amplamente a era dos F2 e, portanto, era a equipe a ser observada com maior atenção. Os passos da equipe italiana em vista do novo regulamento tinha sido dado na última corrida de 1952 em Monza, quando ela disponibilizou para seus pilotos o Ferrari 553, mas apenas Umberto Maglioli e Piero Carini usaram a máquina sendo que os demais pilotos da casa não acharam nada de interessante na 553. Este novo carro, junto de uma versão melhorada do multicampeão 500 – denominada de Ferrari 625 – foi trabalhado para aquela temporada de 1954, isso sem antes de Enzo Ferrari usar do seu típico estratagema de se retirar da competição com o intuito de arrecadar dinheiro para trabalhar no desenvolvimento de seus carros. Uma vez conseguindo, o italiano aquietou-se e seguiu em frente, após um tipo de plano que se tornaria muito famoso no decorrer das próximas décadas – e muito eficaz, diga-se. Na esteira do sucesso da Ferrari, a Maserati, que havia sido a única a desafiar a co-irmã nas duas últimas temporadas, apresentou uma evolução natural de seu eficiente A6GCM: o 250F era o carro da equipe italiana para aquele ano, neste que foi o último trabalho do aclamado projetista Gioachino Colombo que acabou por sair da equipe ainda no inicio de 1954 quando partiu para a Bugatti, que trabalha num retorno aos GPs. Foi o primeiro passo do elegante 250F, que agora ficaria sob a batuta de Giulio Alfieri, para se tornar num dos carros mais populares da história da Fórmula-1 e também longevos, ao esticar seu uso até o inicio dos anos 60. A Gordini preferiu trabalhar numa evolução do seu T16, já que a equipe não vinha bem financeiramente e isso refletiu numa temporada bem abaixo da famosa equipe francesa. Quem ensaiou um retorno foi a Alfa Romeo, que trabalhou num modelo 160 com motor de 300cv. A aparência do 160 lembrava os seus míticos 159, porém com a diferença de ser mais longo entre eixos e a posição do piloto fica atrás do eixo traseiro. Porém, a equipe acabou desistindo de entrar no campeonato e o projeto foi abortado. Se a Alfa Romeo desistiu, outra  marca italiana resolveu regressar as competições: a Lancia, agora gerida por Gianni Lancia, entrou na Fórmula 1 com o D-50 projetado pelo famoso projetista Vittorio Jano – pai dos famosos Alfa P2 e P3 nos anos 20/30 – e o carro utilizaria um motor V8. Mas o carro enfrentou sérios problemas de confiabilidade, o que levou a fábrica a deixar seu então novo recruta, o atual bicampeão Alberto Ascari, livre para pilotar pela Maserati e na penúltima corrida do ano, pela Ferrari. Sobre as equipes inglesas, que em muitas corridas das ultimas duas temporada tinham colaborado com um bom número de carros, a presença deles não foi tão assídua, marcando grande presença apenas na corrida de casa em Silverstone. Sem dúvida alguma a grande curiosidade – misturada com uma enorme dose de expectativa – repousava sobre a entrada da Mercedes no campeonato. Sabia-se que os alemães haviam retomado as competições em 1952 – onde acabaram vencendo as 24 Horas de Le Mans daquele ano –, mas antes disso, em 1951, o primeiro passo tinha sido dado na Argentina quando participaram das provas da Copa Perón onde utilizaram os W154/163 e foram derrotados por um inspiradíssimo José Froilan Gonzalez. O W196, projetado pelo competente Rudolf Uhlenhaut, vinha com dois tipos de carenagem ao utilizar um com rodas cobertas – que tornou-se famoso logo pela sua estréia em Reims – e que era usado especialmente em circuitos velozes e outro com rodas expostas, usado em pistas mais sinuosas. Alfred Neubauer continuava a ser o chefe de equipe e lideraria um team de respeito formado por Juan Manuel Fangio – que havia pilotado para a Mercedes nas provas de Argentina de 1951 –, Karl Kling, Hans Hermann e o veterano Hermann Lang. Mas os alemães entrariam a partir do GP da França.

Os inscritos para o GP argentino

O campeonato iniciou pelo segundo ano consecutivo na Argentina, no então Autodromo 17 de Octubre em Buenos Aires no dia 17 de janeiro. Ao contrário do que acontecera na etapa de 1953, onde houve superlotação, esta esteve mais bem organizada e sem a presença de publico na beira da pista e o traçado usado foi o mesmo de 3.345m, porém com diferença da prova ter sido realizada no sentido anti-horário. A Ferrari apresentou sua formação para aquele ano, mas com uma baixa importante: Alberto Ascari, que havia ganhado os dois últimos campeonatos pela Scuderia, tinha partido para a Lancia. No entanto, a equipe italiana voltou a contar com os serviços de Jose Froilan Gonzalez que compartilharia a equipe ao lado de Giuseppe Farina, Mike Hawthorn e Umberto Maglioli. Os quatro pilotos da Scuderia usaram o novo Ferrari 625, assim como Maurice Trintignant que estava a serviço da Ecurie Rosier junto de Louis Rosier, que alinharia uma Ferrari 500. A Maserati tinha o maior contingente para esta etapa de abertura, contabilizando um total de nove carros – entre os oficiais e particulares. Entre os oficiais, a equipe italiana trouxera dois novos 250F que foram usados por Juan Manuel Fangio e Onofre Marimon enquanto que três A6GCM ficaram para Principe Bira, Roberto Mieres e Luigi Musso. Outros quatro A6GCM eram em caráter particular: Emmanuel de Graffenried, Harry Schell, Jorge Daponte e Carlos Menditeguy, alinhando na equipe de Onofre Marimon, eram os pilotos particulares da Maserati. A Gordini alinhou três T16 modificados para receberem os novos motores de 2.5 litros para Elie Bayol, Jean Behra e Roger Loyer. Dois importantes personagens dos últimos anos da Fórmula 1 não estavam presentes: o então bicampeão Alberto Ascari e Luigi Villoresi ainda não estavam com seus Lancia, impossibilitando a participação deles neste GP inaugural. Apenas estas três equipes se fizeram presentes para esta etapa de abertura, contabilizando um total de 18 participantes.

Farina conquista a pole para a Ferrari

Apesar de a Maserati ter se apresentado com um motor mais potente para esta etapa – algo em torno de 235cv – foi a Ferrari que comandou os treinos em Buenos Aires e cravou a pole para esta etapa através de Farina com a marca de 1’44’8 contra 1’44’9 de Gonzalez. Fangio conseguiu meter-se no meio da horda de Ferrari 625 ao colocar a Maserati 250F em terceiro com oito décimos de atraso para o tempo de Farina. Mike Hawthorn foi o quarto e Maurice Trintignant o quinto, completando o esquadrão de Ferrari 625. As Maserati fecharia os dez primeiros com Onofre Marimon, Luigi Musso, Roberto Mieres, Carlos Menditeguy e Principe Bira. Com este cenário apresentado na classificação, a Ferrari continuaria a dominar as ações nesta nova era?

Chuva e festa para Fangio

Juan Manuel Fangio e sua Maserati 250F: primeira vitória do novo carro, a segunda da Maserati na Fórmula 1 e a primeira do argentino em seu GP local

A largada do GP da Argentina revelou uma Ferrari bem veloz, com Farina liderando o pelotão seguido por Fangio, Hawthorn, Marimon e Graffenried. Porém, foi Gonzalez quem deu o espetáculo naquelas voltas iniciais ao se recuperar  da má largada ao escalar o pelotão e aparecer na ponta do GP já na 14ª volta, mostrando sempre a sua hipnotizante velocidade e um Ferrari 625 que parecia honrar o seu antecessor 500.

A corrida parecia um passeio a parte das Ferrari de Gonzalez e Farina quando um forte chuva caiu em todo circuito, obrigando os dois ferraristas a irem aos boxes. Primeiramente Gonzalez, que passou a usar uma viseira integral. Isso foi seguido por Farina, deixando Hawthorn na liderança com Fangio logo a seguir. Mas o pobre inglês acabou rodando e isso abriu caminho para Fangio assumir a liderança.

Com a chuva parando, a pista passou a secar e isso fez com que Gonzalez retomasse seu fabuloso ritmo e partisse para cima de Fangio, recuperando a liderança na volta 47. As posições se mantiveram inalteradas até a volta 60 quando Fangio foi aos boxes trocar pneus e neste momento, Nello Ugolini, então chefe de equipe da Ferrari, viu que a Maserati trabalha com mais de três mecânicos no carro de Fangio – o regulamento permitia apenas três – e de imediato o chefe ferrarista entrou com protesto contra o ocorrido. Ainda com o processo em avaliação, Fangio voltou à pista e foi à caça dos Ferrari de Farina e Gonzalez. Acreditando no veredito a seu favor, Ugolini pediu para que os dois pilotos mantivessem as posições. Foi um prato cheio para Fangio que, aliando a chuva que começara, conseguiu alcançar o duo ferrarista e assumiu a liderança na volta 65 para liderar as ultimas vinte voltas e vencer o GP da Argentina com mais de um minuto de avanço sobre Farina e dois sobre Gonzalez. Porém ainda precisava da decisão dos comissários em relação ao protesto de Ugolini, mas este acabou por não ter nenhuma ação em relação ao acontecido e a vitória continuou para Fangio. Maurice Trintignant e Elie Bayol fecharam os cinco primeiros.

Resultado Final 

Grande Prêmio da Argentina de 1954 – 1ª Etapa

Autódromo Municipal 17 de Outubro – 17 de Janeiro – 85 Voltas

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