A História dos Grandes Prêmios – Argentina 1956

O sétimo Campeonato Mundial de Pilotos teve a sua abertura em Buenos Aires para o GP da Argentina, marcando a estréia de Juan Manuel Fangio na Ferrari. Corrida que marcou o grande desempenho de Carlos Menditeguy, a disputa frenética entre Maserati e Ferrari, os primeiros pontos de Chico Landi na categoria e a primeira vitória de Fangio pela Ferrari.

O grid de largada para o GP da Argentina de 1956

Por duas temporadas as equipes italianas tiveram uma parada forçada em seus sucessos que eram bem sólidos desde a criação do Campeonato Mundial de Pilotos em 1950. A entrada da Mercedes a partir do GP da França de 1954 significou uma elevação no nível das corridas de Grandes Prêmios naquele período e os temíveis Mercedes, que arrasaram as equipes italianas nos anos 30 ao lado da Auto Union, repetiu o feito com competência ao anular Ferrari e Maserati durante o biênio de 1954/ 55 e deixar meras migalhas para ambas. Porém, a decisão da Mercedes em abandonar as competições ao final de 1955 – especialmente após o triste evento das 24 Horas de Le Mans – abriu a oportunidade para que os italianos voltassem a linha de frente dos GPs e comandassem a seu bel prazer. Mas a melhor organização da Mercedes fez escancarar um pouco da desorganização dessas duas fabricas italianas – principalmente da Ferrari – que não conseguiram se preparar da melhor forma possível para enfrentar o desafio vindo da Alemanha – isso sem contar, claro, com o problemas financeiros que limitavam ainda mais qualquer avanço.

Para aquela temporada de 1956 havia uma lufada de ar fresco para a Ferrari: a adoção dos Lancia D-50 tirou um peso enorme das costas da equipe italiana que passava por maus bocados financeiramente e a chegada destes carros, cedidos pela Lancia após a fábrica, também em frangalhos financeiros, desistir do campeonato logo após a morte de Alberto Ascari. O Lancia D50 apresentou-se bem no GP da Espanha de 1954 e esperava-se muito deste bólido – feito por Vittorio Jano – em 1955, mas pelos problemas já citados, infelizmente, não pode-se ver muito do que seria capaz frente os poderosos W196 da Mercedes. Agora em posse da Ferrari, o Lancia D-50 sofreu algumas modificações como a retirada dos tanques de combustíveis que ficavam nos pontões laterais e que agora ficavam na parte traseira – como eram nos carros de motor dianteiro. Sobre o propulsor, este continuou a ser V8, mas a sua construção não faria mais parte do chassi – como era no seu original – e agora teria um habitáculo para ele. Para a condução do D-50 a Ferrari trouxe o atual tricampeão Juan Manuel Fangio para formar quarteto com os promissores Luigi Musso, Eugenio Castellotti e Peter Collins.

A Maserati não ficou de braços cruzados e também trabalhou na evolução do seu 250F com melhorias nos freios – passando a usar discos –, injeção de combustível, carroceria aerodinâmica – que foi vista durante os treinos para o GP da Itália de 1955 – e também no motor e câmbio, que resultaram numa diminuição do carro em 20cm. Stirling Moss era a grande estrela da equipe e um grande trunfo para desafiar Fangio e Ferrari naquele ano; Jean Behra continuava na equipe, formando com Moss a dupla permanente da equipe de Alfieri Maserati.  

Se havia algum desafio para os italianos naquele ano, este vinha do Reino Unido com as equipes inglesas se preparando da melhor forma possível. Tony Vandervell alinhou o W2 da Vanwall que foi construído pela Lotus, de propriedade de Colin Chapman, e com o chassi sendo desenhado por Frank Costin. O novo Vanwall levava um motor de quatro cilindros desenvolvendo em cerca de 285cv e o chassi mais leve que daria a Maurice Trintignant e Harry Schell a oportunidade de duelar com os italianos. Após os desaires de 1953, a BRM voltava ao jogo, mas sem esperar muito: o P25 era pesado e o motor não muito confiável. Mike Hawthorn foi convocado para pilotar o carro naquela temporada e formar dupla com Tony Brooks, na reestreia do time comandado por Sir Alfred Owen.

Das equipes regulares, a Gordini era de quem se esperava menos, afinal os eternos problemas financeiros não deixavam a fábrica sonhar tão alto. Eles usaram seus dois modelos T16 e T32 – de seis e oitos cilindros em linha, respectivamente – que foram pilotados regularmente por Robert Manzon, Élie Bayol e pelo brasileiro Hermano da Silva Ramos.

O calendário, que tanto sofreu com cancelamentos de corridas e 1955 após a tragédia em Le Mans, voltou a ter oito etapas com o campeonato iniciando em janeiro na Argentina e encerrando na Itália em setembro – o calendário ainda contaria com os GPs da Holanda e Espanha (que elevaria para dez corridas), mas a crise politica entre Israel e Egito, que culminaria na Guerra de Suez, ele vou o preço do petróleo o que atingiu as equipes de certa forma. Para conter custos, estas duas acabaram eliminadas do calendário.

Os inscritos para o GP da Argentina

Para esta corrida de abertura no sempre escaldante GP da Argentina, foram inscritos dezessete carros divididos entre seis equipes – mas acabaria por ser apenas quinze, uma vez que a Gordini, que havia inscrito dois carros, acabou não viajando para Buenos Aires. A Maserati apresentou um incrível contingente de dez 250F que estavam divididos entre quatro equipes: no time oficial Moss e Behra teriam a companhia de Carlos Menditeguy, do sempre veloz Jose Froilan Gonzalez – que desde 1955 passaria a disputar apenas o seu GP caseiro –, Chico Landi e Gerino Gerini. A BRM acabou usando um 250F no lugar do P25 que ainda não estava pronto e entregou para Mike Hawthorn; Alberto Uria formou um time uruguaio ao alinhar dois 250F para ele e Óscar González; e Luigi Piotti inscreveu um 250F em seu nome. A Ferrari levou cinco carros para esta corrida, sendo três D-50 que foram pilotados por Fangio, Musso e Castellotti e outros dois 555 Squalo, que foram conduzidos por Peter Collins e pelo estreante belga Olivier Gendebien.

Ferrari domina e a pole é de Fangio

Os treinos, como era de se esperar, foram um duelo particular entre os D-50 da Ferrari e o 250F oficiais da Maserati, mas o melhor conjunto do Lancia-Ferrari se sobressaiu naquele calor e Fangio passou para cravar uma soberba pole sobre Eugenio Castellotti que chegou a casa de 2.2 segundos de vantagem. A terceira posição ficou com Luigi Musso e Jean Behra fechou a primeira fila quadrupla com o Maserati (ficando cerca de quatro décimos do tempo feito por Musso). Jose Froilan Gonzalez fez o quinto tempo e abria a segunda fila, que foi composta ainda pelo seu compatriota Carlos Menditeguy e Stirling Moss. Mike Hawthorn, Peter Collins e Olivier Gendebien fecharam os dez primeiros. Chico Landi ficou em 11º e Luigi Piotti fechou a lista dos doze pilotos que conseguiram se classificar para a prova. Alberto Uria não conseguiu tempo, mas foi autorizado a largar elevando, assim, a lista para treze classificados.

Menditeguy brilha, problemas aparecem e Fangio vence

Juan Manuel Fangio no Lancia Ferrari D-50 de Musso: vitória dificil para o argentino em sua estréia pela Ferrari

Havia muita expectativa do que poderia ser aquela prova de abertura. Por mais que a pole de Fangio fosse abismal, o equilíbrio era muito bem visto entre os D-50 e 250F e isso sugeria uma corrida bem interessante no traçado de 3,912km do circuito de Buenos Aires. A largada foi feita às 16 horas e assim evitando o forte calor que sempre foi uma constante do verão argentino.

Luigi Musso fez uma boa largada, mas teria em Froilan Gonzalez o seu grande desafio naquela primeira volta até que o veterano argentino assumiu a liderança antes de completar a primeira passagem. Porém, era outro argentino que chamaria atenção: Carlos Menditeguy seguiu de perto Froilan Gonzalez desde a largada e na quarta volta assumiu a liderança, imprimindo um bom ritmo e aproveitando-se do seu conhecimento naquele circuito.

A corrida transcorreu de forma normal até a volta 23, quando Fangio abandonou a prova por problemas na bomba de combustível que o já perturbava desde o inicio. Porém, um chamado da Ferrari para Musso entregar o carro para o argentino, colocou o tricampeão de volta na corrida na mesma quinta posição que se encontrava o italiano, logo atrás de Jean Behra que era o quarto – na mesma volta que Luigi Musso entregava o carro para Fangio, Froilan Gonzalez abandonava com problemas nas válvulas de seu Maserati.

Fangio conseguiu alcançar Behra e assumir o quarto posto, mas rodou algum tempo permitindo que Jean reassumisse o posto – que ainda seria agraciado com mais uma posição, a terceira, quando Castellotti, que era o melhor piloto Ferrari e estava em terceiro, teve uma falha no câmbio na volta 40 e acabou abandonando. Não parecia ser o dia da Ferrari em Buenos Aires…

As coisas começaram a igualar quando o surpreendente Carlos Menditeguy, que levava boa diferença para Stirling Moss, errou uma marcha e escapou da pista para não voltar mais. Uma pena… Ao mesmo tempo que Carlos abandonava, Moss passava apresentar problemas no motor do seu Maserati com este já a soltar fumaça – além deste problema, Stirling ainda sofria com dores no seu pé direito depois que um carro passou por ele.

Os problemas de Moss aumentavam constantemente e durante este período, Fangio conseguia ultrapassar Behra e aproximar-se de seu antigo companheiro de Mercedes. Na volta 67 o inglês foi aos boxes e deixou caminho livre para Fangio chegar a liderança. Apesar de ainda voltar e tentar levar o problemático Maserati até o final, este não aguentou e forçou o abandono de Moss na volta 81. No mesmo momento, Fangio tomou mais um susto ao escapar da pista e retornar com segurança, mas agora teria que preocupar-se com o forte ritmo que Jean Behra passava a imprimir – mas o francês desistiu e abrandou o passo.

A corrida terminou com a vitória de Fangio – partilhada com Luigi Musso –, que parecia estar fora de cogitação após os problemas do argentino e também do grande desempenho da Maserati em Buenos Aires. Jean Behra salvou o dia da equipe de Alfieri Maserati com o segundo lugar, enquanto que o terceiro lugar ficou para o Maserati da BRM conduzido por Mike Hawthorn com duas voltas de atraso para Fangio e Behra. Gerino Gerini , que assumiu o comando do Maserati de Chico Landi no meio da prova, levou o carro ao quarto posto e partilhou os três pontos com o brasileiro – dessa forma, Chico Landi torna-se o primeiro brasileiro a pontuar num GP de Fórmula-1 –, e a quinta posição ficando para o estreante Olivier Gendebien. A corrida terminou com apenas seis carros, já que o Maserati de Alberto Uria, que foi compartilhado com Óscar Gonzalez, fechou na sexta colocação. A corrida tinha um total de 100 voltas, mas ao atingir três horas de prova, encerraram com 98 voltas.

A exemplo do que acontecera na edição de 1954, Nello Ugolini, agora como chefe da Maserati, questionou que o retorno do argentino em sua rodada ainda na metade da prova teria recebido ajuda externa – o que era proibido – e assim ele esperava que o astro argentino fosse punido. Os comissários nada fizeram e mais um vez Ugolini engoliria a seco o seu protesto.

O campeonato indicava Jean Behra como líder do certame com 6 pontos; Fangio em segundo com 5 (um ponto pela pole e quatro pela divisão da vitória com Musso); Musso em terceiro com 4; Hawthorn em quarto com 4; Olivier Gendebien em quinto com 2; Chico Landi e Gerino Gerini em sexto e sétimo, respectivamente,somando 1,5 cada.

 

Resultado Final

Grande Prêmio da Argentina de 1956 – 1ª Etapa

Autodromo Municipal Ciudad de Buenos Aires – 22 de Janeiro

Circuito de 3.912 metros – 100 Voltas (98 completadas)

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